Artigo de opinião no Jornal Construir

Marco Paz, arquiteto e co-fundador da Logoexisto®, assina artigo de opinião no Jornal Construir, dedicado aos desafios do setor da arquitetura e construção. Uma reflexão sobre a essência da profissão e a responsabilidade em promover a qualidade do desenho no território. O Construir é um jornal de negócios da Indústria da Construção de publicação quinzenal.

 

Afinal de que nos serve a arquitectura?

“Os estóicos faziam consistir quase toda a filosofia em conhecer-se a si mesmos. A vida, diziam eles, não era suficientemente longa para um tal estudo. Essa norma foi transmitida às escolas e figurou no frontispício dos templos; mas não era nada difícil perceber que aqueles que aconselhavam os seus discípulos a conhecerem-se a si mesmos, não se conheciam. Os meios que empregavam para o conseguir, tornavam a norma inútil: pretendiam que se examinassem
constantemente, como se se pudessem conhecer dessa forma. Os homens observam-se demasiado de perto para que se vejam tal como são. Como se apercebem apenas das suas virtudes e vícios através do seu amor próprio que tudo embeleza, são sempre testemunhos infiéis e juízes corruptos de si mesmos”.

Este pequeno excerto do Livro Essai sur le goût; Éloge de la sincerité, de Montesquieu, permite-me criar uma analogia com o tempo e com a condição presente.

Acredito convictamente que temos de reforçar a ideia que o Homem tem a obrigação de se observar num espectro abrangente, amplo – saber ver ao longe – pois o exercício da profissão em arquitectura, não é, nem pode ser limitado às idiossincrasias de um indivíduo ou de um grupo ou mesmo de instituições governamentais.

Somos parte de um todo e temos a obrigação, individual e em grupo, de promover a evolução do território. Fazer arquitectura e urbanismo, não é só resolver ou dar cumprimento à infinita regulamentação, ainda dispersa, onde projectistas e instituições públicas mergulham numa atmosfera obscura, por vezes, sem noção do essencial e do nosso dever, é também e sobretudo elevar a responsabilidade em promover a qualidade do desenho do espaço físico – do território – e da capacidade em estabelecer pontes e diálogos entre o público e o privado, com fim à resposta sincera e profícua à qual nos propomos.

O exercício da profissão não é acessório nos orçamentos de estado ou nas directrizes institucionais ou governamentais, é sim um instrumento e conhecimento absolutamente fundamental na evolução do território – lugar onde desenvolvemos a nossa vida pessoal, profissional e social, e com estas competências fomentar a construção de uma sociedade transversalmente sólida, culta e enraizada.

Entendo esta profissão, árdua e desgastante, com uma enorme responsabilidade e seriedade, mas também com a consciência do risco em operar, em conjunto com a minha equipa, de forma directa na construção de um lugar onde ambicionamos que outros usufruam da dignidade que os espaços qualificados possam proporcionar na vida diária e comum de qualquer indivíduo.

Afinal de que nos serve a arquitectura?

Numa visão antropológica, naturalmente, a arquitectura serve-nos de abrigo, protecção e conforto, serve de base ou matriz onde a nossa vida se desenvolve. Pois a morfologia dos lugares e dos seus elementos estruturais e compositivos interferem decididamente nos comportamentos humanos e na qualidade de vida e ainda nos estímulos à evolução.

Por vezes, esquecemo-nos destes valores antropologicamente essenciais. Este é, seguramente, um dos maiores desafios futuros da profissão e de todos os intervenientes, em realmente saber observarmo-nos de forma ampla, abrangente… de longe e não ao perto.”

Marco Paz

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